História Local
Caro leitor, o site Oficial da Prefeitura Municipal de Jardim do Seridó-RN, dedica este espaço para a reflexão histórica. O objetivo não é apresentar “a verdadeira” história de Jardim do Seridó-RN, seguindo o paradigma tradicional, onde os feitos políticos se constituem nos definidores de todo e quaisquer acontecimentos, mas inspirados na “nova história”, buscaremos trazer ao debate toda a atividade humana, pois para parafrasear o historiador Paul Veyne “tudo é histórico”.
Nesta óptica, vamos contar e recontar a história de homens e mulheres que construíram e fazem construir o cotidiano de Jardim do Seridó-RN, um desfilar pelas antigas ruas e avenidas desta cidade, conhecendo os espaços e lugares freqüentados por esta população, uma incursão pelos muitos tempos da memória.
Visitar velhos casarões para conhecer os modos de vida dos sertanejos. Adentrar nas igrejas para perceber as orações e preces que eram feitas através da intercessão da “Virgem Mãe de Deus”, sobre o título de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do lugar, ou de outros santos ou mesmo sem eles. Percorrer procissões e as diversas tentativas de se delimitar espaços sagrados, mas também, as práticas religiosas dos “crentes rurais”, observando o “uso popular” do miraculoso. Os momentos de festas, sagradas e/ou profanas, de fé e de alegria do povo, mas também de tristezas e sofrimentos.
Buscaremos também debater a chamada “nova história política”, a partir da abertura proporcionada por Michel Foucault, em perceber as “relações de poder” presentes nas diversas esferas da vida social, como a família, a escola etc. Ou mesmo, sobre a expansão de acontecimentos políticos no cotidiano jardinense, a partir de questionamentos do tipo: como os jardinenses vivenciaram a transição de Monarquia para República? Como Vargas se fazia presente nesta cidade? E a Intentona Comunista, como a população reagiu?
Estas e outras problemáticas irão permitir a construção de diversos cenários políticos, religiosos, espaciais, cotidianos e culturais que foram vivenciados pela população de Jardim do Seridó-RN. Suas festas, aniversários, tratados, rituais e comemorações, pois do nascer ao morrer, todo o cotidiano da cidade foi marcado por celebrações.
- DEMARCANDO OS CENÁRIOS DE UMA CIDADE-JARDIM
Mais do que pedra, tijolos e cal, as cidades surgem de um sentimento de pertença, de identificação e de símbolos que a especifica, formas que a diferencia das demais. Para Ana Fani A. Carla: “a cidade é um modo de viver, pensar, mas também sentir”. Sentir-se independente. Assim, os espaços das cidades são construídas a partir de uma negociação, de uma separação, enfim, da (de)limitação de fronteiras geográficas e sentimentais.
Tais fronteiras construtoras dos espaços das cidades brasileiras, resultantes das leis da monarquia e da republica, geralmente seguiam os limites das barreiras naturais dos cursos d´água. Assim, na delimitação do espaço que passaria a ser chamado de Jardim do Seridó-RN, os rios e riachos serviram com indicadores para a sua formação, como pode ser percebido através da Lei Provincial nº 250, de 23 de março de 1852, que transforma a Povoação da Conceição do Azevedo em Distrito de Paz, dando-lhes os seguintes limites: Pelo lado do Acary no rio Acauhã da Pedra Grande, seguindo por elle acima até a barra no riacho Joazeiro, por este até a nascença, e deste ponto, em rumo direto ao Serrote do meio. No Rio Seridó começará a extrema da barra do Riacho do Meio, continuando pelo mesmo Rio acima de hum, e outro lado até o fim do Termo, compreendendo as águas do Rio Cobra. Pelo lado da Freguesia do Príncipe correrão os limites da barra do Riacho-Jardim, no Rio São José, por este abaixo, co todas as suas águas até os batentes do Rio Seridó, edahi em linha recta a barra do rio Ipoeiras no Cupauhá e por este, acima até o fim do Termo [grifos meus].
Embora as barreiras naturais tenham servido para criar um teritorio, a delimitação de um espaço, não acontece de forma natural, um dado fincado na natureza, mas se faz de recortes, de fragmentos de sentimentos individuais que se cristalizaram em torno de uma memória coletiva, forjando formas de identificação, de pertença. Neste sentido, o espaço é construído, inventado e encenado pelos moradores da cidade, que vivencia e ocupa um lugar de participação neste processo.
Tendo como palco de encenação o contexto de transição do espaço da Povoação da conceição do Azevedo em um espaço independente, intitulado de Villa do Jardim, percebe-se que partiu dos moradores os sentimentos de que aquela povoação apresentava as condições necessárias para se tornar um município, quais sejam: território populoso, sede de uma Freguesia (criada em 1856), possuir estrada pública e homens habilidosos para servirem os cargos da Justiça e Administração Pública, conforme elegeram os habitantes da Conceição do Azevedo, objetivando a criação do município.
Em 1858 a então Povoação da Conceição do Azevedo conquistou sua autonomia política, passando a intitular-se Villa do Jardim. A partir de então, o minúsculo aglomerado urbano, foi constituído de poder público capaz de vigiar, disciplinar e controlar as construções do espaço coletivo, agora reconhecido com “cidade”. Se o campo passou a ser visto como uma cidade, as marcas de um passado rural deveriam ser apagadas, para dar lugar a rituais e símbolos definidores de um espaço urbano, citadino.
O processo de construção da CIDADE-JARDIM foi sendo moldado e cartografado aos olhares vigilantes do poder público, que ensaiava os primeiros passos aos 04 dias do mês de julho de 1859 às 12 horas do dia na Sacristia da Matriz, sobre a forma de Câmara de Vereadores; dando forma de cidade, materializando leis que regula a construção de casas e ruas, estabelecendo símbolos urbanos e disciplinando o viver cotidiano da cidade, diferente do crescimento desordenado do arruado inicial.
É o que acontece em 1863 quando a Câmara Municipal definiu que as ruas desta vila não deverão ter a largura de ma a outra menos de quarenta palmos, e os becos, menos de vinte palmos, mostrando que na definição e delimitação de um espaço enquanto cidade ocorre através de relações de poder, criando a função de governo que exerça o controle da ordem pública, propicie o bem comum e demarque jurisdição entre o público e o privado, entre o permitido e o proibido.
As formas da neo-cidade apresenta um ecletismo entre o velho e o novo, entre o campo e a cidade. Apresenta-se uma preocupação com o planejamento urbanístico, através da observância dos espaços das ruas. Cria-se em 1859 a Sociedade Musical da Villa da Conceição, para animar as festas religiosas e cívicas e a partir de 1861 passa a ser realizada a feira livre, onde eram vendidos diversos gêneros alimentícios que faziam parte da mesa sertaneja e outros objetos. Os dias de festas e de feiras alteravam definitivamente a rotina da população, em virtude da maior circulação das pessoas que viam do campo e de outras cidades. Assim, não havia uma maior diferenciação entre campo e cidade, uma vez que a estrutura econômica predominante era a agrária / rural e a própria vida urbana estava entremeada pelos modos de vida rural, sendo o burro e o cavalo os meios de transportes utilizados.
Outra marca entre o velho e o novo pode ser percebido também com relação ao antigo nome Conceição de Azevedo insistindo em permanecer, como no exemplo da sociedade musical, e o novo nome Villa Jardim, que necessitava fincar marca e ser reconhecido pelos seus moradores. Sabe-se que a população que assinou o requerimento pedindo para ser elevada a categoria de vila à freguesia da Conceição do Azevedo queria que fosse permanecido o antigo nome, porém, a vila recebeu o estranho nome de Jardim, que para ser aceito, justificado e legitimado, contou com a colaboração do Capitão Miguel Rodrigues Viana ao cultivar um jardim entre 1862 e 1864, depois que a vila já tinha esse nome por lei.
Portanto, estes foram alguns ensaios encenados pela CIDADE-JARDIM em busca de reconhecimento enquanto uma cidade autônoma no cenário estadual, marcada por sentimentos, símbolos e vivências coletivas e particulares, que definiram e fizeram enxergar a embrionária cidade, vestida de um jardim no Seridó.
Diego Marinho de Gois
Jardinense, Bacharel e licenciado em História e especialista em Geopolítica e História.